Treinamento físico/cognitivo baseado em jogos

Há um tempo, li um artigo sobre treinamento (para esportes coletivos) baseado em jogos.

Para vocês entenderem o que seria um treinamento baseado em jogos, em um dos casos, no Liverpool, este treinamento consistia em um jogo de 3 contra 3, em campo reduzido e com gols reduzidos.

Na minha opinião, o grande desafio da revisão Game-Based Training for Improving Skill and Physical Fitness in Team Sport Athletes, dos autores Tim Gabbett, David Jenkins e Bruce Abernethy de grupos de pesquisa da Austrália e Hong Kong, não foi mostrar como estes treinamentos são melhores para os atletas desenvolverem melhores tomadas de decisão, ou desenvolverem habilidades (skills) mais completas, já que esses resultados, pelo menos do ponto de vista da Sensorial Sports, já eram esperados. O maior desafio foi mostrar que os treinamentos baseados em jogos apresentam os mesmos benefícios para a preparação física que as atividades de condicionamento tradicionais.

Então vamos lá.

Embora as capacidades físicas sejam extremamente importantes para atletas, a performance esportiva também requer capacidades técnicas e de tomada de decisão bem desenvolvidas, assim como precisam apresentar essas capacidades em momentos de pressão e fadiga.

Por causa disso, treinadores estão constantemente à procura das melhores formas de treinar o corpo e a mente dos atletas em conjunto. Os treinamentos baseados em jogos podem ser uma resposta excelente a essa busca, visto que, segundo Gabbet e colaboradores (2009), as demandas físicas e os padrões de movimento desses treinamentos replicam as demandas do esporte. 

 

O artigo desses autores revisa os principais trabalhos sobre treinamentos baseados em jogos. Vamos abordar o que considero ser o ponto mais controverso deste tipo de treinamento: o condicionamento físico.

 

  1. Especificidade: como mencionado, os treinamentos baseados em jogos replicam demandas físicas e cognitivas dos jogos. Além disso, são desafiadores para os atletas pelo caráter competitivo, promovendo engajamento. Os artigos mostram níveis similares de frequência cardíaca, concentração de lactato e consumo máximo de oxigênio em comparação com atividades tradicionais. Além disso, não foram encontradas diferenças entre as quantidades relativas de tempo gasto em sprints. No entanto, a demanda de sprints repetidos (mínimo de 3 sprints separados por menos do que 21 segundos) foi menor em treinamentos baseados em jogos do que em competições. Aplicação: de maneira geral, os resultados dos estudos demonstram demandas semelhantes dos treinamentos baseados em jogos e a prática esportiva, mas a criação de regras adicionais para estes treinamentos pode favorecer demandas ausentes, como exigir marcação individual para aumentar a frequência de sprints.

 

  1. Adaptações do treinamento fisiológico: unindo os resultados de diferentes estudos, não houve diferenças na comparação entre 6-9 semanas de treinamento aeróbico intervalado e o mesmo período de treinamento baseado em jogos sobre: a melhora da força muscular, agilidade, habilidade, capacidade aeróbica, força aeróbica máxima, consumo de oxigênio, limite de lactato,  relação entre consumo de oxigênio e movimentos frontais (running economy), resistência específica do esporte, e índice de performance física durante as partidas (distância total percorrida e tempo de corrida) em jogadores de futebol e rugby profissional e juniores. Além disso, enquanto as atividades de condicionamento tradicionais melhoraram apenas a velocidade de 10 metros, o treinamento baseado em jogos melhorou a velocidade em 10, 20 e 40 metros. Aplicação: embora estes resultados sejam muito bons, ainda não é claro qual é o balanço ideal entre programas de treinamento tradicionais e os treinamentos baseados em jogos, ou se esses resultados seriam encontrados também em atletas com menor rendimento. De qualquer forma, os aparelhos GPS auxiliarão treinadores e preparadores a encontrar respostas mais rápidas a essas perguntas.

 

  1. Risco de lesão: um estudo com jogadores de rugby mostrou que a maior parte das lesões (37,5%) foram resultado de atividades de condicionamento tradicionais que não envolviam componentes de habilidade (skill), enquanto as lesões foram menos frequentes em treinamentos baseados em jogos (10,7%). Aplicação: esses resultados têm que ser interpretados com cautela uma vez que não foram considerados o momento da temporada e a intensidade das atividades.

 

Além de resultados muito interessantes sobre os efeitos dos treinamentos baseados em jogos sobre o condicionamento físico, estudos também compararam o desenvolvimento de habilidades (skills) entre estes treinamentos e treinamentos padrões. Neste caso, as comparações focaram em entender diferenças entre atividades com componentes aleatórios/imprevisíveis e atividades fixas/em blocos. 

Em treinamentos baseados em jogos (componentes aleatórios/imprevisíveis), a aprendizagem de novas habilidades manteve-se por mais tempo e foi transferida para habilidades similares. Isso porque, enquanto não houve oportunidades de tomada de decisão nas práticas de drills em blocos, as atividades aleatórias presentes nos treinamentos baseados em jogos proporcionaram centenas de oportunidades de tomada de decisão. Aplicação: embora existam diversos resultados indicando que os treinamentos baseados em jogos são mais vantajosos em relação à aquisição e manutenção de habilidades esportivas, um ponto negativo é que a aprendizagem, a performance e provavelmente a confiança apresentam resultados piores a curto-prazo. Dessa forma, uma das tarefas dos treinadores é utilizar os treinamentos com componentes aleatórios ao mesmo tempo em que trabalham a confiança dos atletas para esperarem por melhores resultados a médio/longo-prazo. Devido a isso, os treinamentos baseados em jogos devem ser iniciados prioritariamente na pré-temporada e, durante a temporada, podem ser realizados no momento da semana mais distante do dia da competição.

Outros estudos ainda constataram outra informação importante. Os atletas considerados como bons tomadores de decisões por seus companheiros haviam participado de um maior número de modalidades esportivas de invasão durante o período de formação, o que associa a performance profissional deles ao desenvolvimento de repertórios cognitivos e motores que dão suporte a um funcionamento cerebral mais eficiente e flexível.

Por fim, diferentes estudos mostraram que os treinamentos baseados em jogos resultaram em uma melhora mais pronunciada em execução de passes, precisão, tomada de decisão, desempenho tático e, o mais importante, performance em partidas.

 

Essa revisão apresenta pontos controversos, principalmente em relação à utilização dos treinamentos baseados em jogos como substituição de parte das atividades tradicionais de condicionamento físico, mas também apresenta muitos resultados interessantes para quem está disposto a inovar parte da rotina de treinamento em busca de formar atletas com capacidades cognitivas mais desenvolvidas e, consequentemente, maior capacidade de tomada de decisão.

O que seria um treinamento baseado em jogos para os seus atletas?

E também muito importante: o que seria um treinamento baseado em jogos para esportes individuais?

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