Por Carlo Rondinoni
Muitas vezes, a beleza estonteante e a efemeridade de momentos no esporte nos fazem apelar para metáforas que, mais tarde, se tornam expressões do vocabulario comum. Este é o caso de gols antológicos da história do futebol brasileiro. O gol de Pelé, feito aplaudido de pé durante longos minutos no Maracanã de 1961, suscitou a confecção de uma placa metálica em sua homenagem. Hoje, a expressão “gol de placa” é usada para se referir a todo gol digno de nota.
Recentemente, outro gol memorável tornou à baila, trazendo consigo adjetivos como espetacular, maravilhoso, memorável ou inesquecível. Este gol, desta vez feito na Vila Belmiro no dia 27 de julho de 2011, rendeu a Neymar o prêmio Puskás daquele ano. Numas das reportagens em comemoração aos 5 anos daquele gol, alguém na TV se referiu ao gol como uma “pintura”. Taí uma metáfora que pode render um bom dedo de prosa. Isso porque uma pintura, antes de ser algo pronto e belo para ser admirado, é produto de um processo. O pintor, ao escolher e misturar tintas “on-line” em sua paleta de cores, lança mão de sua habilidade na integração entre a textura da tinta, o peso das cerdas do pincel e a rugosidade do canvas. Talvez, a pintura seja a modalidade artística que incorpore um conceito muito em voga hoje não só nos games mas nos negócios também: o conceito de fluxo.
Este conceito foi criado por Mihály Csíkszentmihályi e, depois, descrito em detalhes pelo autor e conjunto com Jeanne Nakamura em 2011. A experiência em fluxo acontece quando o sujeito passa a ter concentração focada e intensa no momento presente enquanto executa algo intrinsicamente recompensador. A noção de passagem do tempo se altera de forma que percepção e ação se tornam indistintos. Para quem assiste “de fora”, uma experiência de fluxo parece absorver toda a essência daquele que executa o ato, emprestando fascínio a um momento único e inenarrável. Tanto inenarrável que precisamos usar a palavra “pintura” para descrevê-lo.
Alguns exemplos de experiência em fluxo são lembrados aí na rede mundial de computadores. Um deles, nosso maior expoente em carisma e “zen-kartismo” é Ayrton Senna. No documentário de Gerald Donaldson (2012), a voz de Senna floreia a volta de qualificação em Mônaco 1988: “Eu estava dirigindo por instinto. Estava numa outra dimensão, como em um túnel. Muito além de minha compreensao consciente. […] Alguns momentos, quando estou dirigindo, eu me destaco completamente de tudo o mais.” E conclui que, naquele dia, disse a si mesmo: “Isso foi o máximo pra mim. Não há lugar para mais nada. Eu nunca mais alcançarei aquele sentimento de novo”.
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Este sentimento parece estar reservado para aqueles que se dedicam ao ponto de entrarem em fluxo, num ciclo virtuoso que inclui habilidade, resultado, e aprimoramento. Assim, foram Pelé e Senna. Assim é Neymar, Messi, Ronaldo e tantos outros que, dedicando sua essência à arte, emprestam a nós um pouco da beleza ao serem simples e eficientes ao extremo.
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Referencias:
http://www.foxsports.com.br/videos/136364099604-beting-conta-a-origem-da-expressao-gol-de-placa