Por que nosso cérebro adora movimento?

Nosso cérebro adora movimento! Por quê?

Para começar a entender a ligação entre cérebro e movimento, temos que primeiro entender um fato: O que o nosso cérebro faz agora é resultado direto do que aconteceu com ele um segundo antes, uma década antes e também do que aconteceu com nossos ancestrais há milhões de anos. 

DIDATICAMENTE*, nós podemos dividir o cérebro** em 3 camadas distintas. A primeira camada é a mais antiga. Ela cuida das funções automáticas do nosso corpo e funciona de forma muito parecida em você e em um camaleão. Se a energia disponível no nosso sangue diminui, a camada 1 do cérebro detecta isso e nós sentimos fome. Com fome, vamos atrás de comida.

A segunda camada é um pouco mais recente e está anatomicamente acima da camada 1. Alguns pesquisadores a consideram como uma invenção dos mamíferos “para lidar” com as emoções. Se nós vemos algo assustador, essa camada envia informações à camada 1, nos fazendo tremer.

A terceira camada é ainda mais recente. Ela é chamada de neocórtex (córtex novo) e lida com informações mais complexas (memória, Nietzsche e ouvir um álbum de música por horas). Se pararmos para pensar que algumas crianças podem estar passando fome neste exato momento, a camada 3 influencia o funcionamento das camadas 2 e 1, nos deixando tristes e iniciando uma resposta fisiológica muito parecida à que teríamos caso estivéssemos fugindo de uma onça.

Essas simplificações didáticas são importantes para entendermos alguns conceitos, mas elas também aumentam as chances de cometermos erros, como acharmos que a informação sempre percorre o caminho na direção das camadas mais recentes (3 e/ou 2) para a mais antiga (1). 

Como exemplo de que o contrário também acontece, quando uma pessoa segura uma bebida gelada (a temperatura é processada na camada 1), ela se torna mais propensa a achar que a pessoa com quem está falando tem uma personalidade mais fria (camada 3)***. Ou seja, apesar de dividirmos didaticamente as camadas entre: funções automáticas (camada 1), emoção (camada 2) e cognição (camada 3), elas e esses processos são, na realidade, inseparáveis; e nossos comportamentos são fruto da troca de informações entre áreas do encéfalo como um todo. 

De qualquer forma, o que eu quero dizer com essa questão é que, como no caso dessas 3 camadas, a organização do nosso cérebro é resultado de milhões de anos de evolução; e essa organização influencia COMO as informações que lidamos no nosso dia-a-dia são processadas.

A visão e o movimento

Nós, seres humanos, confiamos muito na nossa visão para compreender o mundo. Isso porque durante boa parte do processo evolutivo que resultou no nosso cérebro, nossos ancestrais (principalmente primatas) utilizaram a visão para reconhecer o espaço e encontrar um bom lugar para dormir; para entender o que seus companheiros de grupo queriam dizer quando mostravam os dentes; para perceber se o leão estava se aproximando ou se afastando; e para reconhecer alegremente o que o indivíduo do sexo oposto estava querendo dizer com aqueles olhares furtivos entre os arbustos.

Pensando nisso, pergunto: Quando precisamos que essas e outras informações visuais sejam processadas para gerar comportamentos realmente precisos? Bom, hoje em dia isso deve acontecer quando estamos fazendo uma prova que define nosso próximo ano de vida; ou quando estamos sentados em uma reunião de acionistas discutindo os resultados do trimestre. Mas durante a maior parte da história que gerou nossos cérebros, esse órgão maravilhoso era realmente demandado quando nossos ancestrais (desde antes dos vertebrados marinhos) precisavam caçar, fugir, lutar e realizar diversos outros comportamentos que apresentam um aspecto marcante em comum: o movimento.

Prioridades

Mesmo quando estamos parados, nosso cérebro consome uma quantidade enorme de energia. Apesar de seu peso corresponder em média a cerca de 2% do peso total do nosso corpo, e apesar de controvérsias entre os achados científicos, é provável que nosso cérebro (em sua atividade mais básica) consuma a energia de 1 a cada 4 bisnaguinhas que comemos (ou 25% da energia de um abacate, se você estiver em uma dieta mais saudável).

Mas muito mais do que isso, quando nossos ancestrais caçavam, lutavam e etc, o corpo e o cérebro deles mudavam, dando ainda mais prioridade para o cérebro. 

“Sabendo” que o resultado de uma caça, busca, luta ou fuga está diretamente ligado à sobrevivência (e consequentemente à reprodução), quando estamos em movimento, nosso corpo começa a mandar mais oxigênio e nutrientes para o órgão cujo funcionamento define o sucesso desses comportamentos: o cérebro. Nosso corpo também passa a liberar fatores que fazem com que mais neurônios sejam produzidos e novas sinapses sejam criadas (fatores neurotróficos), nos deixando mais aptos a aprender lições para situações futuras parecidas. 

O cérebro, “sabendo” da sua importância e ao receber esse aumento de energia, modifica seu funcionamento. As quantidades dos mensageiros químicos que fazem a comunicação entre os neurônios (neurotransmissores) são modificadas para deixar a comunicação entre as diversas camadas e áreas do cérebro mais eficiente. 

Como resultado, ficamos mais alertas e focados; o cérebro passa a recompensar o esforço e a diminuir a importância dos sinais de dor; o padrão dos disparos dos neurônios é modificado, facilitando comunicações mais rápidas entre áreas distantes do cérebro e criando um fluxo mais harmonioso no processo de tomada de decisão.

Estamos falando aqui de respostas que nosso corpo precisa dar quando saímos (ou para sairmos) do equilíbrio. E aqui está um outro ponto importantíssimo. Da mesma forma que segurar um copo de água gelado modifica nossa percepção sobre a receptividade da outra pessoa, correr na esteira da academia resulta em modificações do nosso corpo e do nosso cérebro**** que são muito semelhantes ao que acontece quando estamos fazendo coisas agudamente associadas à sobrevivência.

Adorar ou ser adorado

No final das contas, subjetivamente não podemos distinguir bem se o cérebro adora movimento ou se a necessidade de movimento não lhe deixa escolha. A segunda opção fica mais evidente quando você fica sabendo que saiu um episódio novo da sua série favorita bem na hora que está se preparando para dar uma volta de bicicleta; enquanto a primeira fica muito clara cerca de 10 minutos depois que você decidiu deixar a inércia do sofá de lado e está saboreando a brisa no rosto com uma quantidade razoável de endorfina sendo liberada no seu organismo.

De qualquer forma, inúmeras pesquisas têm demonstrado que o movimento (principalmente quando ele tem uma carga mínima de esforço físico por semana) gera benefícios diretos para a cognição. 

Colaborando com pesquisadores da Universidade Federal do Triângulo Mineiro, nós mostramos que exercícios físicos associados a demandas cognitivas apresentadas por um dos nossos aplicativos aumentam a performance de capacidades cognitivas como atenção e tomada de decisão em pessoas que tiveram COVID-19 [1]. Um efeito que, apesar de menos abrangente, também foi encontrado no grupo de pessoas que fizeram apenas exercícios físicos. 

Apesar de muito importante e legal, esta é apenas uma das diversas pesquisas sendo realizadas no mundo inteiro e que dizem a mesma coisa: movimente-se para cuidar melhor do seu cérebro!

Outro ponto importante nessa discussão é estabelecer o que é recomendado fazer enquanto o movimento coloca o funcionamento do nosso cérebro em um patamar mais elevado de performance para conseguirmos manter essa performance em outras situações. Mas teremos que fazer essa discussão em outro momento, porque agora eu preciso me movimentar um pouco para colocar as ideias em ordem de novo.

*Eu simplesmente adoro a forma como o neurocientista Robert Sapolsky, professor na Universidade Stanford, comunica conceitos difíceis de neurociências. Por isso, vou utilizar parte da comunicação que ele utiliza no seu livro: “Comporte-se: A biologia humana em nosso melhor e pior” em alguns trechos daqui. Caso você tenha a chance de ler o livro, não perca!

**Entenda “cérebro” aqui como o encéfalo. O encéfalo representa o sistema nervoso dentro da caixa craniana. O cérebro representa apenas os hemisférios cerebrais. Então não estamos falando de 3 camadas dos hemisférios cerebrais, e sim do encéfalo.

***Trecho retirado diretamente do livro do Sapolsky porque não lembro de nenhum estudo que exemplifique esse conceito de forma mais legal e direta.

****Não vamos nos apegar aqui ao fato de que o cérebro faz parte do corpo. Estou separando apenas para enfatizar o papel do cérebro.

Escrito por Caio Moreira. Doutor em Comportamento e Cognição pela Universidade de Göttingen (Alemanha) e Diretor de Ciências, Tecnologia e Inovação da Sensorial

[1] Luvizutto, G. J., da Silva, E., Neto, E., Coelho, T. Moreira, C. M., Sasaki, J., Bazan, R. Sande, L. (2021). Effect of smartphone-based physical and cognitive training on cognitive abilities in individuals with long COVID-19: pilot randomized trial. submitted to Neuroscience Letters.

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